quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

La Guitarrista

Domingando à noite, à toa, em tédio (in)comum, conheci figura ímpar, que, de tão franca arte corrente pelas veias, lançou-me encanto doce que residirá permanentemente em meu íntimo.
E dentre as cores, o vento, os cabelos ruivos, o cheiro de grama e a boemia, estava lá, com a vida a dedilhar em melodia, e toda a liberdade de uma existência jovem e sinceramente feliz pela frente.
A vida deveria ser isso. Sempre e somente isso…

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Ave Eva

Ah, orgulho mesmo tenho de Eva!,
Que foi lá e fez o que quis.
Flertou com o demônio,
Enganou-se por ele,
Mas gozou como nunca fiz!

Mulher mesmo foi Eva!,
Que teve em mãos Bem e Mal.
Honrou seus desejos,
Abocanhou sua liberdade
E escolheu uma vida com mais sal!

Quem dera eu na pele de Eva!
Quem era ela perto de mim!
Meu veneno é mais discreto,
Mas não menos intenso,
Perigoso
Ou ardil.
É daqueles que não se vê de perto,
Mas que é capaz de um estrago imenso,
Pavoroso,
Vil.

Amor só é bom quando dá certo,
E eu prefiro saber o que Deus sabe.

Esquecidos pelo amor divino,
Os rejeitados preferem saborear o que é proibido.
E nessas linhas sujas,
Opto pelo meu desatino.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Amor em Marcas

Está na mancha de vinho, que ainda não saiu do colchão dele.
Está nos centímetros de cada canto daquele apartamento, que já guardou tantas memórias.
Está no perfume, que é o único doce que ainda não se amargou.
Está no toque aveludado, que vai deixar saudade.
Está nas sardas de seu corpo, que quebram a palidez em mínimos pontos.

As marcas do amor dela não mais lhe rasgam a carne, mas hoje são de cortar o coração.
As marcas do amor dele estarão para sempre nela, como as cicatrizes de que um adulto se orgulha, por serem prova de uma infância feliz.
São marcas definitivas, isso é certeza.
São marcas de um tempo bom.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Abscissa

Cissa era aquela moça que a gente encontra sempre que vai a uma festa boa, atarracada a uma turma badalada, não necessariamente conhecida, mas com certeza divertida.
Era a beleza natural de uma genética abençoada, misturada com uma extroversão plantada e enraizada à força por ela mesma. Seduzia e hipnotizava, com um sempre-ter-o-que-dizer tão natural que fazia com que parecesse contar um par a mais de décadas, escondidas naquelas coxas brancas alisadas por tantos.
Não tinha o aspecto sujo que pressupõem ter as pessoas que exaurem seus pecados na rua. Não era isso que era – embora fosse o que levasse em seu âmago. Tinha, em verdade, o doce dos perfumes caros, a sensualidade nobre que o sucesso do pai lhe era capaz de comprar.
Fez sexo com amor e sem amor o quanto quis e pode, sem nunca se queimar em qualquer fagulha de culpa, remorso ou arrependimento. Bebeu venenos lentos que poucos ousariam beber tão amiúde. Usou o corpo como única ponte que tinha para a felicidade. Exorbitou sentidos.
Cissa era agora, prazer e euforia como ninguém que eu haveria de conhecer.
Seus lábios não tinham medo de pronunciar o azedo. Faziam-no como se a ninguém chocassem. Quem ficava mais, porém, ouvia crônicas de mais um lar arruinado, sempre da maneira simuladamente natural que somente Cissa era capaz de fazer.
Em meio aos cacos da família moderna, ela se criou. Foi obrigada a aprender a se fazer mulher sem sequer acreditar que realmente o era.
Seu magnetismo também me seduziu. Sua segurança era de uma fachada tão crível, que cheguei a desejar ter também uma vida de extremos. Caí em mim quando presenciei algumas de suas explosões desesperadas, que extravasavam a raiva de ter sido sempre tão abandonada e esquecida.
Não havia de ser diferente. Seria injusto não dar a Cissa o direito de se inflamar. Não estivesse à época tão verde, eu poderia ter compreendido tudo isso mais cedo…
Lembro de tê-la visto há algum tempo no banheiro de um bar. Estava diante do espelho e reconheceu mais o meu rosto que o que estava refletido. Cumprimentou com um sorriso mascarado e a antiga piscada lenta que usava quando tentava ser irônica, mas que me causou na verdade um pouco de nostalgia. E pena.
O passar do tempo não permitiu que se curasse. Apenas afiou seu potencial de externar um pouco mais a sua cólera, ferindo a confiança daqueles que se aproximavam o bastante para enxergar seu íntimo desprotegido.
Perdeu alguns vícios, ganhou outros. Mas continuou a rotineiramente se lambuzar dos fluidos pecaminosos que ainda eram capazes de acobertar seu andar de menina e frustrações de mulher.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Humanóides

Aos poucos fui descobrindo os espécimes que me atraem mais. Os mais interessantes a meus olhos e pelos quais, subconscientemente, despertava apreço sincero. Havia um segredo, afinal…
Humanóides, porque perderam parte de sua essência animal e mundana naqueles aspectos de suas singularidades. O maior triunfo, a capacidade de me incomodarem com qualquer forma de caráter que valorizo muito. E, por isso, permitirem-me tanta estima.
Tirar-me da zona de conforto, incomodar-me por ser tão admirável, dá vontade e, inclusive, oportunidade para que eu também o seja. Só assim para despertar-me amor de verdade, que permanece, que se fortalece.
Por vezes dei as mãos com o que provocava mais uma sensação de doação que recebimento, ainda que um, sem o outro, inexista. Não eram humanóides, eram apenas humanos. Mesmo assim, renderam-me laços fortes sempre que com verdadeira ternura se envolviam. Ternura que compensava.
Noutros momentos tropecei em humanos que, além de o serem, faziam questão de banhar-se cotidianamente no mundano vulgar. Endurecendo o que já era duro – calejando. Respiro com alívio por ver que passou e que fui capaz de fazer passar.
Sou incapaz de viver sem sugar um pouco da essência do que está a meu redor. Em razão disso, preciso me policiar para ter certeza de que estou próxima do que me leva além, do que emana o bem.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Epifania

Meu maior medo é ser esse cisto medíocre no tempo que a maioria de nós parece estar destinada a ser.
A adolescência passou e, com ela, foram-se também as esperanças de mudar o mundo inteiro. Hoje, já me acostumei com haver mais errado que o certo que eu sei fazer para consertar e me preocupo mais com a mudança que sou capaz de fazer em minha própria esfera de toque.
Acho que meu maior objetivo é plantar, em cada um que já me brindou com sua presença, um pouco de mim. Que levem, em seu íntimo e para sempre, um sorriso que dei em boa hora, uma piada que contei, algum posicionamento político característico, a imagem de uma de minhas mil fotografias com flores no cabelo, um conselho sábio que disse, ou até um palavrão oportunamente empregado. Mas que me levem.
Só não quero deixar passar translúcida minha vida através do tempo, que é oportunidade de tantas cores.
Enquanto puder me deixar pouco a pouco naqueles que, mesmo por um segundo, me conhecem, como lembrança fita de quem não tinha muito a ensinar, mas muito a viver junto, com intensidade, estarei feliz.
Quero acrescentar, acima de tudo. Fazer-me acrescentar.
“Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”
Antoine de Saint-Exupéry

domingo, 27 de maio de 2012

Doncovim - Parte 2

E aí vem a minoria – ainda que basta – que sabe de si minoria. Aqueles que conseguem enxergar as raízes podres de sua terra. E adoram consegui-lo!
Sentem-se únicos, sentem-se especiais. Absolutos!
Descobrem-se à parte e, à parte, constroem-se. É mais bonito. O diferente que vale à pena. “Quem não é como eu, não é”.
E, seguindo duas próprias diretrizes fixas, moldam-se realmente diferentes. Daqueles. Porque, entre si, são apenas encaixes pré-moldados que se perpetuam. Um monte de gente diferente, uma igual à outra. Os mesmos livros, os mesmos discos, os mesmos filmes, as mesmas opiniões. Arte, cultura, alternatividade... Vão temer afirmar que lhes agradam outros sabores. Melhor absterem-se na segurança que é dizer não conhecerem o que extrapola seus gostos premeditados.

Gosto do que eles afirmam digno gostar.
Eles quem? Quem dita sua arte?
Não me faça perguntas difíceis. Já está dito que isso é que é bom, então é isso que sou!

Aperta-me o peito de saudade dos tempos que inocência e ignorância permitiam-me a liberdade de admirar o que eu considerasse merecedor de apreciação. Agora tenho notícias, revistas, livros e personagens mil, ditando vestes, comportamentos, gostos e opiniões que devo nunca esquecer de ainda ter para mim.
As opiniões… Meu medo são as opiniões.
Esses seres atípicos, meu Deus!, aos olhos de fora são apenas cópia de uma cópia de uma cópia. Julgam da mesma forma com que são julgados, mas se percebem tão mais dignos! Afirmam-se tão seguros, são tão eficientes em se auto-propagandear, que é quase crível que não seguem ou não se importam com moldes a suas personalidades, em serem imitações vivas dos personagens os quais foram mandados idolatrar.
Diferente por diferente, a única coisa que me resta são exércitos de clones. Cada qual de sua forma, cada um com suas convicções. Mas todos iguais.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Doncovim - Parte 1

Terra envelhecida por coronéis engrandecidos de orgulho. Encharcada de conservadorismos hipócritas. Lá, não se deixa de fazer porque não se quer, mas porque não se pode deixar ver. É preciso muito cuidado com os olhos atentos, afinal: reputação não é coisa com que se brinca. Os olhos do outro prevalecem sobre a minha verdade.
Lugar onde só cabem abastados, inda que se edifiquem os tronos pelas mãos pobres calejadas, ásperas e sujas de terra. É Orange County do sertão brasileiro. Nata que engordura a sociedade.
Seus herdeiros vivem outra realidade – ou são membros da realeza, com suas roupas mais nobres e seus carros mais respeitáveis, ou são revolucionários demais, fumando erva comprada com a mesada do papai. Viagens, presentes, festas: são personagens de filme, demasiado originais para se encaixarem numa realidade brasileira típica – “sou mais um estilo londrino”, disseram. Para todo desvio de roteiro, há solução (ainda que seja mandar matar aquele namorado secreto do garanhão da família).
As moças morrem de orgulhos de suas virgindades, fazendo sobre elas publicidade maior que a pureza que de fato detêm. Se pudessem renová-las de tempos em tempos, fá-lo-iam sem pensar duas vezes. Para que revolução sexual àquelas que seduzem seus machos com encantos tão próprios – e tão utópicos – quanto os das intocáveis donzelas dos contos de fada? Mais vale um currículo sexual digno que um bom livro de cabeceira.
É terra de dedos em riste, onde quem aponta não se vale de valores tão valiosos assim. Cidade que estupra meus sonhos, violenta minhas fantasias. Faz da esperança criatura fantástica digna de escárnio.
É lá, é lá. E já faz parte de mim.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Orgulho de Cego

Estou cansada da sabedoria agigantada,
Da profundidade que é, sim,
Pode até ser,
Mas que se afirma sem ninguém perguntar nada.
Ninguém naturalmente,
Verdadeiramente,
É,
Se brada aos quatro cantos que é,
Dizendo-se involuntariamente.

Estou cansada dessa autopropaganda hiperbólica
Que afirma,
Firma,
Mas não confirma.

Você não se basta,
Não como ainda está.
Tem um olho em terra de cego,
É verdade,
Mas há um mundo além, que somente a cegueira haveria de lhe fazer enxergar.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Bonito

É ele o dono do toque que, para minha pele, parece veludo.
E é nos braços dele que me encaixo perfeitamente,
Berço que me nina e me mima e me anima.

É dele a urgência que sinto em amar até que não passem de ficção todos os outros romances.
E é sua a boca que me dá sede e arranca o fôlego,
Encaixe perfeito para a peça avulsa do quebra-cabeça mais complexo.

Dono da alma que me sossega e inquieta ao mesmo tempo,
É ele que tem “um jeito manso que é só seu” para falar de suas convicções mais íntimas.
E me namora, me adora, me apavora…

É a ele que brindo  todo lo que quiero dar”,
Ele que oblíqua, mas não dissimuladamente, vou sempre amar olhar,
Pois foi quem,
Como ninguém,
Soube bem me desvendar.

Paradoxalmente Humano

– Jamais compreenderei.
– Não te cabe, realmente, neste momento.
– É incongruente… paradoxal… impróprio. E ainda assim habitual. Todos fazemos.
– É intervenção do orgulho, acredito. Quase que de maneira instintiva. O amor nos faz dependentes. E o animal não aceita tal destino; quer ser autônomo. E, como animal, agimos.
– Mas animais não amam. Permanece o paradoxo.
– Sim, permanece. Mas é que o homem vai sempre ter algo de divino e de animal ao mesmo tempo. O desafio é apropriar-se. Vê bem: preocupa-te o ímpeto que tens em destratar quem amas, justamente porque amas demais. Procuras o sentido porque não compreendes o que te leva a fazer sentir mal quem mais queres bem. E esse preocupar-se já contém muito do divino que não existe no próprio ato que repudias. E que praticas. Estás a caminho do aprimoramento.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Malogros

Provou o sabor da morte e gostou.
Já eram familiares os gostos amargos.
Caminho dos covardes, pode até ser,
Mas desistir ainda dói menos que decepcionar.


"the best often die by their own hand
just to get away,
and those left behind
can never quite understand
why anybody
would ever want to
get away
from
them"
Cause and Effect - Charles Bukowski

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Ferrugem

Caíam as folhas enferrujadas de outono.
Pela janela, o silvo leve do vento garantia o característico frio na espinha de quando se imagina encaixar perfeitamente numa daquelas tramas fracas de suspense.
Mas o arrepio de verdade surgia da percepção óbvia, porém repentina, de que era aquilo e estava certo.
Ainda possuía o ardor juvenil imaturo da consciência que já com veemência se afirma e só aceita quem com ela aquiesce. Reconhecia o desacerto dessa rigidez de caráter, mas ainda não tinha vivido nada que demonstrasse que não era assim que deveria ser. Careciam tapas da vida.
Não se pode mudar ninguém.
Crescimento pessoal jamais é aquisição forçada; é preciso iniciativa íntima.
O máximo que se pode fazer é procurar abrigo nas companhias de espíritos semelhantes. Os que não deixam de ser díspares, mas que visam à mesma busca infinita por engrandecimento. E, na colisão com alguma diversidade latente de alguém que se ama, almejar o que acrescenta. Alguém, com certeza, precisará se aperfeiçoar.
Oportunidade, em cada canto há.
O erro reiterado consome e minimiza as chances de elevação; é a ferrugem que oxida a alma.
Tal qual as folhas que caíam lá fora.