sábado, 30 de maio de 2020

Enterrado

Nunca quis dinheiro. Nunca quis conforto eterno. Inda que o intento fosse mesmo descansar em paz…
Minha irmã escreveu antes de mim. Meu irmão venceu antes de mim. Isso me importa tão pouco… Muito mais marcante foi aquele abraço que pedi e nunca ganhei.
A morte é só pó. Ninguém vai cavar seu túmulo para encontrar ouro nos anseios que nunca desembolsou sobre o solo. Ou desenterra seu coração agora, ou deixa o podre lhe comer o que cultivou de bom e ruim.
Ninguém quer morrer antes de poder falar.

Estocolmo

Passou tempo demais fotografando as janelas de sua vida com os olhos. Abominou as que tinham barras, sonhou com as que viu noturnas, criou histórias para cada luz que a vista alcançou e sentiu-se confortável no sentimento de anonimato que a multidão de luzes lhe trazia. Mas sempre quadrada a visão. Pois presa. Distante.
Da janela de hoje não vê nada além do que já é seu – e por isso não mais bonito. O anonimato, energia fria que preenche seus pulmões, precisa ser encontrado em outro lugar.
Com certeza há de existir, mas não realmente conhece quem se alimente de frieza e solidão como ela mesma. Cavalos de Troia que a vida lhe deu, hoje não consegue mais viver sem essas duas desgraças, como que numa Síndrome de Estocolmo sentimental. Ama o que lhe amaldiçoou um dia.
O hábito de viver o futuro antes do presente, contudo, faz com que passe os dias sedenta pelo momento em que a janela seja ampla, traga luz em dia e noite, não tenha barras e possa, em fim, também ser porta.