terça-feira, 4 de junho de 2019

Deserto

Tinha um espelho envelhecido com aquela moldura rococó filmando apenas o lado esquerdo do rosto. Mesmo assim não olhava para si. Quanto mais o tempo preenchia, menos precisava olhar para o lado, evitando enxergar o vazio que era sua única companhia.
Evitando a verdade de que ninguém além de si é capaz de tapar o buraco de uma solidão que é só sua.
E se vivesse para sempre como a única companhia que lhe coubesse? Seria quem escolheria para ter perto de si?
Não pôde mais evitar. Era tempo de reconhecer os próprios olhos. Dirigiu-os ao espelho como quem se prepara para flertar com a Medusa.
Agora o rosto era visto por inteiro.