sexta-feira, 20 de maio de 2016

Senhora na Janela

Toda tarde, existe um de meus repetitivos pousos à janela que sempre se depara com a figura de uma senhora num dos prédios ao fundo do meu. Ela está sempre a fumar, sempre em mesmo horário, sempre contemplando a rua. Já lhe sorri algumas vezes, mas a distância é considerável e não acredito que eu seja mais interessante que todo o universo que ela tem a observar.
Há algo de intrigante no saborear de suas tragadas diárias. Muito menos nelas em si, que na minudência com que observa a rua. Não é uma senhora jovem, nem velha. Tem um cabelo amarelo-ovo emplumado que lhe retrocede algumas décadas no tempo. Mas nada disso convém, pois o que me importa apenas é saber o que rebenta das reflexões de sua cabeça.

E, nisso, percebi nascida em mim o capricho de gravar-me naquela mulher.

Uma vez deitei-me com um rapaz que era apaixonado em saber dos outros. Tudo o que queria, perguntava. Era uma verdadeira esponja de saberes – inda que também amasse falar de si. Ele insistia que eu carecia de egoísmo. Não num sentido perverso, é claro, mas no intento de pensar menos nos outros e mais em mim. Um individualismo do bem. Do que não tiro parte de seu mérito, aliás.
Ocorre que não é nato em mim o propósito clarividente de absorver das pessoas o quanto têm a me doar. Meus poucos e arrastados anos foram feitos de absorções casuais, como que acessórias a um laço maior estabelecido, antes, por mim. O que sei, de fato, é imprimir-me em todo canto que passo. Canto, coração, alma. Sei que deixo sempre vestígios (ou cicatrizes) de mim. Prefiro deixar-me em outrem a, antes, tomá-los de si.

Sobre a senhora da janela, quero conhecer suas notas mentais mais latentes; porquanto, sabendo, permitir que também ela saiba sobre mim.

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