No fogão, o leite anunciava
fervura, ainda sem transbordar, enquanto a luz da manhã envelhecida cortava as
frestas de algumas persianas, queimando os olhos do casal nu deitado sobre os
colchões descobertos no chão da sala.
De bruços e com a boca
parcialmente abafada pelos travesseiros, Antonieta divagou sobre como os
cinegrafistas enchiam seus filmes de cenas de sexo e nudez, na crença de que
assim seriam obras mais sérias, mais reais, mais adultas, como se uma mera
elevação de censura fizesse brotar maturidade – profundidade.
E já que no tema sexo, ele
aproveitou para reforçar, pela terceira vez naquele mês, que era só o que
queria com ela, ao menos por ora, que estava bom assim, do jeito que estava. Um
aviso anti-quebra de coração, que estava mais para desencargo de culpa em
verdade.
Ela rolou um pouco o corpo,
preguiçosamente, e com o sol matinal a clarear-lhe agora o sorriso puro,
lembrou-lhe de que ela também não tinha maiores interesses que aproveitar o
presente. Linda no limite que lhe era possível, convenceu-o. Uma vez bonito,
sempre fica mais crível.
Ele se levantou pela
segunda vez naquela manhã, lembrando-a do homúnculo que era. Ou pelo menos
parecia-lhe ainda mais naquele momento. No banheiro no cômodo logo ao lado,
ligou o chuveiro morno, esquecendo-se de si e dela debaixo d’água.
Voltou para a sala: lençóis
revirados, colchões vazios, porta aberta. O leite transbordara.
Excelente Jú!
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