quinta-feira, 9 de junho de 2011

Prazos de Validade

Analisar as manias que as pessoas têm é algo no mínimo divertido de se fazer. Minha mãe, por exemplo, tem mania de guardar as coisas. Mas calma. Não é um "guardar" de acumular tralhas, ou de colocar no lugar tudo que vê pela frente (essa mania, ela só tem quando visita meu quarto). É um "guardar" relacionado às coisas que ela considera mais preciosas.
Um hidratante corporal de alguma marca famosa e cara que, para uma pessoa normal, duraria cerca de seis meses, para minha mãe, perde-se pelo vencimento do prazo de validade sem que ela tenha usado sequer metade do produto. O mais engraçado é que isso acontece com três hidratantes ao mesmo tempo. É como se ela pensasse que determinada coisa fosse valiosa demais para ter seu uso banalizado. Minha mãe viveu boa parte de sua vida com condições financeiras bastante limitadas, para dizer o mínimo. Penso vir daí essa supervalorização do uso de certas coisas.
Não é de todo um mal, esse comportamento que ela tem. É bom mesmo que saibamos dar valor ao que adquirimos em nossa vida. Perder esse valor é perder a noção do nexo entre esforço e aquisição, o que acaba sempre resultando em um inconsiderado modo de lidar com as conquistas da vida - passa-se a pensar que tudo é qualquer coisa e que qualquer coisa é muito fácil de se conseguir.
O único problema é que minha mãe, com tantos hidratantes maravilhosos em seu armário, não se permite aproveitá-los como poderia. Ela poupa tanto as coisas boas que tem, que quase acaba por não utilizá-las, dando-se conta somente depois de já estar vencida a validade.
Nós todos temos essa mania. Vamos guardando a vida para usá-la somente de vez em quando, temendo banalizar o que ela nos oferece de bom. Nos raros momentos em que nos permitimos utilizá-la, realmente sentimos o prazer que ela é capaz de nos proporcionar. Mas, na maior parte do tempo, estamos na verdade vivendo um automatismo dos nossos dias (algo também conhecido como rotina), que passam a ser compostos tão-somente pelo resto - o que não se usa. Nossa existência fica resumida aos extraordinários instantes de felicidade e prazer que nos permitimos experimentar enquanto vamos "pulando" a vida.
Pare para pensar: como é sua rotina? No meu caso, mais de setenta por cento da minha semana se resume a: trabalhar pela manhã, estudar à tarde, praticar exercícios e ir à faculdade à noite. Em meu trabalho, por exemplo, há momentos em que o que faço durante uma hora inteira é simplesmente repetir os mesmos comandos, alterando apenas alguns números. O automatismo é tão nítido, que sou capaz de refletir sobre diversas questões da minha vida enquanto minha mão vai cumprindo seus deveres como se tivesse vida própria. Sou capaz de refletir sobre como estou vendo meu tempo passar bem diante dos meus olhos exatamente no momento em que ele passa.
Pode ser que eu esteja errada. Pode ser que seja mesmo desse jeito e que não haja nada de anormal em se ter momentos pingados de felicidade. Mas me parece bastante errado que tenha que ser assim. Acho difícil não esperar que a vida passe disso para algo melhor, ainda que sejam alguns respingos a mais de alegria em meio à rotina. Então eu acho válido tentar, sem medir esforços, fazer o que se quer de verdade. Nada tem a ver com despir-se de todas as responsabilidades e adotar maneiras inconsequentes de gozar a vida.
Tenho certeza de que minha mãe foi e é muito feliz. Mas, particularmente, sou o tipo de pessoa que prefere usar e abusar dos hidratantes antes que o meu prazo de validade vença e eu tenha aproveitado tudo menos do que realmente poderia.

Um comentário:

  1. Passei uns meses sem escrever no blog e acabo de ver seu comentário (com 2 meses de atraso)! É ótimo saber que se interessou pelo que escrevo, melhor ainda perceber que assim como eu, existem pessoas que gostam e sentem prazer em escrever! Hoje dei uma lida em alguns dos seus textos e (correndo o risco de ser meio óbvia) você escreve muito bem! Agora você tem mais uma leitora...

    Parabéns e obrigada!

    =)

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